Gente, estou simplesmente amando fazer parte deste Papo de Paisagista. Cheguei aqui nesta coluna semana passada e já recebi comentários e feedbacks muito bacanas, estou animada para seguirmos juntos nesta conversa sobre A Nova Cidade. E, antes de seguirmos, quero te incentivar a deixar seus comentários, percepções e sugestões logo abaixo do texto – assim podemos interagir e trocar mais de perto e posso trazer conteúdos mais conectados com aquilo que vibra dentro de você.

Ótimo, então vamos em frente nesta coluna. Hoje quero falar de um tema que eu a-d-o-r-a-r-i-a que estivesse presente nas faculdades de arquitetura e urbanismo. Talvez não exatamente com esse nome… mas certamente com esse conteúdo. O tema é: espiritualidade na arquitetura. Eu sei que o título deste texto aqui fala sobre um revolucionário projeto do parque-aeroporto e chegaremos a ele. Minha intenção aqui hoje é utilizar esse projeto para falar sobre esse conceito, da espiritualidade na arquitetura. Vamos nessa?

Antes de mais nada, então, deixe-me esclarecer o que quero dizer com “espiritualidade”. Não se trata de religião nem de dogmas. Entendo espiritualidade como nossa capacidade de manter a presença, aqui e agora. Sem mágoas, culpas ou ressentimentos em relação ao passado. E sem ansiedades, preocupações ou devaneios sobre o futuro. Eu sei: estou falando de algo que não é lá muito fácil, especialmente neste momento tão delicado que estamos vivendo. Mas entendo também que a espiritualidade é um caminho de prática, um caminho infinito, que vamos percorrendo passo a passo, com muita calma e muita paciência.

E como essa ideia de espiritualidade pode ser aplicada à arquitetura? Bem: é exatamente aí que entra o projeto do parque-aeroporto. Vamos a ele!

Tudo começou nos anos 40, na cidade de Berlim, na Alemanha. Foi quando autoridades do país decidiram construir o aeroporto de Templhof. Esse aeroporto foi vital para a cidade de Berlim anos depois, quando acontecia a Guerra Fria no mundo. Você deve se lembrar das aulas de geografia da escola (ou talvez tenha vivenciado esse período): a Alemanha foi dividida ao meio durante aquela guerra, o lado oriental e o lado ocidental. Berlim ficava no lado oriental, mas como era a capital do país, acharam justo que ela também fosse dividida meio a meio. A parte ocidental de Berlin, então, foi cercada por um muro que a deixava isolada da Alemanha Oriental. (Curiosidade rápida: a minha vida inteira eu achava que o muro de berlim apenas dividia a cidade na metade, somente quando estive lá é que aprendi que ele era circular e realmente isolava a parte ocidental da cidade).

Bem, com um muro tapando todas as entradas por terra, que eram estritamente controladas por guardas, o aeroporto de Templhof se tornou absolutamente vital para a cidade! Muita coisa chegava de avião: comida, mantimentos, remédios, roupas, etc. Mas, quando a guerra acabou e o muro caiu, o Templhof se tornou obsoleto – os outros dois aeroportos da cidade davam conta de todo tráfego aéreo.

Daí começou a pergunta: o que fazer com esse aeroporto? A primeira ideia foi demoli-lo. Só não se sabia se, no lugar, construiriam novos prédios ou criariam um parque. As pessoas que viviam ali perto fizeram manifestações e a ideia do parque ganhou. Mas, então, quando um grupo de arquitetos foi projetar o parque, tiveram uma grande ideia. “E se a gente não demolisse o aeroporto e fizesse o parque ‘em cima dele’?”, eles se perguntaram. E assim foi feito.

Hoje, no parque-aeroporto Templhof, os gramados são jardins, canteiros de agricultura urbana e laboratório de mobiliário urbano. E a pista de pouso é um espaço em que as pessoas correm, pedalam e praticam esportes inovadores como o “windskate”, um skate com a vela do windsurf, que desliza com a força do vento.

Estive lá em 2015, pedalando por essa pista de pouso, e percebi a força de um lugar como esse existir. Eu estava em uma estrutura que meu cérebro rapidamente reconhece como “aeroporto, lugar onde aviões pousam e decolam”. Ao ocupar essa estrutura com um uso totalmente inovador, isso provocou uma quebra cognitiva dentro de mim. Lembro que quando voltei a São Paulo daquela viagem, fiquei imaginando passarelas flutuantes interligando andares de prédios na avenida Paulista, um grande tobogã por onde poderia descer a ladeira da Avenida Sumaré ou até mesmo uma tirolesa entre as pontes do rio Pinheiros. Foi como se eu tivesse desbloqueado uma nova forma de enxergar as estruturas existentes. Uma forma conectada não com os usos que sempre aprendi que essas estruturas deveriam ter, mas com os infinitos usos que elas podem ter, a partir das necessidades do presente.

É isso que quero dizer com espiritualidade na arquitetura: cultivarmos esse olhar amplo, livre das ideias do passado sobre como é ou deve ser um espaço, e livres também dos planos que temos para como ele será utilizado no futuro. Um olhar focado no presente – ou seja, nas infinitas possibilidades que existem para um espaço ou estrutura existente.

Acredito que neste momento que estamos vivendo, em que muitos prédios corporativos estão sendo esvaziados e muitas casas estão virando também home-offices, academias de ginástica, escolas, entre tantas outras coisas, essa abordagem da espiritualidade na arquitetura possa ser muito útil para desenvolver soluções que realmente nos ajudem a manter nossa conexão com a vida.

O que você acha? Me conta nos comentários abaixo! E, caso queira aprofundar nesse assunto, recomendo meu episódio desta semana do meu podcast A Nova Cidade, que se chama Espiritualidade na Vida Urbana: CLIQUE AQUI PARA OUVIR

Um grande abraço, cuide-se e até semana que vem!