Aproveitando o gancho do assunto de ontem – a decoração étnica e eclética proposta por Sig Bergamin – decidimos falar mais um pouquinho do Marrocos hoje. Sim, porque a viagem da Bruna vai render mais algumas boas matérias!

Já aviso, o texto está longo, mas vale a pena descobrir os segredos dos tapetes marroquinos!

Durante a Expo Artisan, evento que o Casa de Valentina foi cobrir em Marrakech, conheci a marca de tapetes Le Cadeau Berbère, comandada pela mesma família desde 1976 – ano de sua criação. A história da empresa, assim como a história dos tapetes vendidos por eles, é mais do que inspiradora, cheia de detalhes curiosos e informações preciosas que a gente nunca saberia se eu não estivesse estado lá e conversado com o apaixonado proprietário pessoalmente (sorte que ele falava inglês!).
Os tradicionais tapetes marroquinos começaram a ser produzidos há mais de mil anos e eram feitos para uso próprio. Aliás, aí vai o primeiro fato interessante: no passado comprar tapetes era considerado uma vergonha para a família. Cada mulher de cada família deveria saber como fazer os tapetes, para nunca ter que comprar um pronto. Até que, em meados dos anos 80, a globalização começou a mostrar as caras e esse costume se perdeu (em partes). As famílias mais tradicionais e antigas continuam se recusando a usar tapetes dos outros – se alguém da casa comprar, a peça é jogada para fora! Hoje em dia os tapetes vendidos pela Le Cadeau Berbère continuam sendo produzidos apenas por mulheres que vivem nas montanhas e não podem se relacionar com nenhum outro homem que não seja o seu marido ou parente. Mas a produção não é puxada ou ritmada de acordo com a demanda, elas produzem no seu próprio tempo, com calma e normalmente em duplas. Assim, uma peça de 6m² leva aproximadamente de 2 a 3 meses para ficar pronta. As mulheres muitas vezes nem encaram esse tempo como trabalho propriamente dito – eles dizem que a hora do tear lá é quase como a hora do chá para os ingleses, elas batem papo, relaxam e brincam enquanto tecem. 

As técnicas, que passam de mãe para filha, vão sendo aprimoradas conforme as gerações, assim cada pessoa acaba acrescentando um toque especial à tradição, uma essência diferente. E é assim também que a loja escolhe os tapetes que vai vender – não apenas pelo valor comercial, eles sentem a essência da peça. Afinal, todos os modelos são únicos e nenhum desenho se repete. É por isso que quem ama a arte dos tapetes considera os modelos novos e industrializados vazios, sem sentimento.

Aliás, o fantasma da globalização aos poucos tem dominado esse setor por completo e o medo dos proprietários da Le Cadeau Berbère é que a tradição se perca em no máximo 15 anos. Os países árabes estão sendo pressionados pela ocidentalização, mas o Marrocos tem costumes que não se adaptam aos nossos, então acontece um confronto e nesse momento elementos significativo se perdem para sempre. Os artesãos descobriram que não é preciso muito esforço para agradar aos turistas, então alguns passam a produzir peças com menos qualidade em busca de dinheiro fácil.
Infelizmente a tendência é que as cidades e os países virem todos iguais no futuro, sem a alma e a história que os caracterizam tanto – corremos o risco de morar em capitais irreconhecíveis e genéricas (se é que isso já não acontece!). Como uma forma de tentar preservar mais um pouco dessa tradição, a Le Cadeau Berbère agora está comprando de volta tapetes que foram vendidos para a Europa e que precisam de restauração. Eles estão resgatando pelo menos alguns retalhos da história para poder mantê-la viva pelo máximo de tempo possível.

Fotos por Bruna Lourenço | Divulgação (3 últimas imagens)